terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Convenção de Istambul e as implicações da sua entrada em vigor para Portugal‏


No inicio deste mês entrou em vigor a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica mais conhecida por Convenção de Istambul que representa um passo muito importante ao ser o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculativo que cobre todas as formas de violência contra as mulheres nas suas diversas modalidades.


Nesta fase, a Convenção já foi ratificada por quatorze estados (sendo dez, o número de ratificações necessárias à sua entrada em vigor) e mais vinte e dois países estão com o processo de ratificação em curso.

Portugal esteve na linha da frente ao ter sido o primeiro Estado-Membro da União Europeia a ratificar este instrumento internacional no dia 5 de Fevereiro de 2013.

Em linhas gerais, a Convenção de Istambul obriga os Estados que ratificaram a procederem às alterações legislativas necessárias para a criminalização de certas condutas como é o caso da violência psicológica, da perseguição, dos casamentos forçados, da mutilação genital feminina e do assédio sexual; força os Estados a proibirem os processos alternativos de resolução de conflitos obrigatórios, incluindo a mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência contra as mulheres; incita os Estados a terem em consideração os incidentes de violência na tomada de decisões relativas à guarda das crianças e sobre os direitos de visita, não podendo que o exercício de um qualquer direito de visita ou de guarda prejudique os direitos e a segurança da vítima ou das crianças.


Não menos importante é a proibição de que a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa "honra" possam ser usadas para justificar a violência contra as mulheres.


Portugal apesar de todo o trabalho desenvolvido nos últimos anos nesta área terá de fazer algumas alterações para que possa estar em conformidade com as obrigações assumidas a começar pela criminalização das várias condutas acima referidas, passando pela eliminação do artigo 39º da Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro que prevê a figura do "encontro restaurativo", uma espécie de mediação penal camuflada que está vedada por estar em causa um crime com natureza pública e terminando na articulação que tem necessariamente de existir entre os tribunais criminais e os tribunais de família e menores para que não se verifiquem decisões conflituantes entre o regime do exercício e regulação das responsabilidades parentais e a aplicação de medidas de protecção para a vitima como acontece muitas vezes quando há um regime de guarda partilhada e simultaneamente uma medida de afastamento do agressor que faz uso desse direito quase exclusivamente para manter contacto com a vitima.


A introdução de todas estas alterações e outras que porventura venham a ter lugar poderá ser um contributo muito importante no combate contra a violência doméstica, um flagelo que teima e tarda em parar.

Nos primeiros sete meses do ano, vinte e sete mulheres foram assassinadas.

A Justiça não pode continuar a desvalorizar a violência doméstica com um excessivo número de arquivamentos ou de condenações a pena suspensa ou com a aplicação do regime da suspensão provisória do processo que transmite um sentimento de impunidade para o agressor.


Nestes casos em que a prioridade é a protecção efectiva da vítima, as autoridades têm de actuar com celeridade a fim de assegurar a aplicação urgente de medidas de protecção para a vítima, tendo por base uma rigorosa e exaustiva avaliação do risco.

Embora seja uma prática corrente, não pode continuar a ser a vitima a ter de sair de casa, mas sim o agressor apesar da lei expressamente referir a não permanência do agressor na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habite a vitima como medida de coacção.
A este propósito importa referir que uma das "novidades" da Convenção de Istambul é a possibilidade das autoridades ordenarem a retirada do agressor da residência onde habita a vitima em situações de perigo imediato e por um período de tempo suficiente.
Outro aspecto a analisar é a utilização da pulseira electrónica para fiscalizar o cumprimento das medidas de coacção impostas aos agressores nomeadamente no que respeita ao afastamento e à proibição de contactos com a vítima.
Este instrumento só deve ser aplicado nas situações em que o risco ou o perigo para a vítima é baixo ou médio (!). Não sendo o caso, é altamente recomendável a aplicação de medidas de coacção mais graves, que podem e devem passar em última instância pela prisão preventiva.

Mais do que apostar no combate, é urgente um investimento significativo na área da prevenção primária através de uma educação centrada para a cidadania e para a igualdade de género que promova uma cultura de não-violência, investimento este que não pode continuar a estar dependente da existência dos fundos estruturais comunitários que Portugal recebe e que são posteriormente canalizados para as várias áreas de actuação. 

A prevenção tem de passar forçosamente pela educação que contribui para a mudança de mentalidades.
A erradicação e a eliminação da violência de género só serão possíveis se a intervenção se centrar nas causas estruturais desta violência assente na desigualdade entre géneros, algo que terá de ser trabalhado nas creches e nas escolas em idade muito precoce.

A violência contra as mulheres é uma grave violação de direitos humanos que não pode ser desvalorizada e que nem pode deixar ninguém indiferente porque todas as pessoas, mulheres e homens devem ser uma voz activa no combate à violência de género.